domingo, 3 de agosto de 2008

avé

Avé-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

8 comentários:

Anónimo disse...

Boa! Gosto imenso da poesia sentida e melancólica de Cesário Verde. E muito daquele soneto que narra o pic-nic de burguesas, em que alguém pôs no decote um ramo de papoilas.
Por falar nisso, tenho que ir regar o jardim mque o sol hoje deu a bom dar. Portanto, vou sair da circulação por momentos! Mas sabe Deus com que pena! Estava a divertir-me à grande! Espero que tu e a passifora maré também. Passiflora, como comemoraste há dias os teus anos de casada, creio que vais gostar de ler, como prova de que vocês têm sabido viver, a entrevista com o Vasco Prazeres que saíu hoje na Revista do Jornal de Notícias.
Maria Bernarda

Anabela Magalhães disse...

Clapinho... Clapinho... Clapinho.
Helooooooooooooooooo!!

CLAP!CLAP!CLAP! disse...

Ola Miga.
Passei à tua porta e apitei.Sei q não devia que o regulamento camarário me impede em zonas historicas bla bla-bla-bla-bla....

Anabela Magalhães disse...

Em qual delas?

CLAP!CLAP!CLAP! disse...

Na de baixo apito ,na de cima alevanto-me e aceno.

Anónimo disse...

regos e apitos
:) isto tá bonito!

CLAP!CLAP!CLAP! disse...

tal como previsto fui de moto tomar o cafezinho à baixa, e dou nota da perspectiva no meu novo post...

Anabela Magalhães disse...

E faz bem.
Agora adivinhe com quem tomei o café?

Pois, com esse mesmo.