sexta-feira, 25 de julho de 2008

Assim como assim- A crónica de A. Lobo Antunes




Tanto ruído no interior deste silêncio: são as vozes dos outros a falarem em mim, pessoas de quem gostei, pessoas que perdi, gente que tenho ainda

Tanto ruído no interior deste silêncio: são as vozes dos outros a falarem em mim, pessoas de quem gostei, pessoas que perdi, gente que tenho ainda. Não me parece que herdei muito dos meus pais, dos meus avós: algumas coisas mais ou menos superficiais mas lá no fundo nada. Princípios, claro. Regras. O resto, quase tudo, fiz sempre sozinho. E estive sozinho nos momentos mais difíceis da vida, que sofri na carne como um cão: aquilo que, destilado, aparece nos livros, que são o itinerário de uma aprendizagem e de uma dor, a certeza da vida redimir a morte, da necessidade da alegria, de uma paz intransigente conquistada a pulso. A humilde capacidade de admirar as pessoas, respeitá-las, que tanto tempo levei a conseguir. Olhar nos olhos o que um ano destes não serei. Custa-me a ideia de não escrever, um dia. Do mundo continuar sem mim. De perder corpos, calor: o que ganharei em troca? O meu pai foi-se embora há quatro anos: percebo hoje que existia entre eu e a morte, a defender-me sem saber que me defendia e que a partir de então, quando ela tocar à campaínha, é a minha vez de abrir a porta: não quero chegar à maçaneta a tropeçar, quero mostrar-lhe a casa limpa e pronta. Dizer a quem se achar ao meu lado
– Eu já venho.
e descer as escadas. Não se incomodem, não se levantem: sou capaz de descer as escadas sem ajuda até vários palmos abaixo da terra. Espero que haja sol nesse dia, um arrepio alegre nas árvores. Não se incomodem que eu já venho. Sentir-me-ão nos objectos, deixarão de sentir-me a pouco e pouco à medida que a saudade se atenua. Continuarei aqui através dos meus livros, na altura em que ninguém meu conhecido sobrar. Ficam retratos, claro, reflexos pálidos do que fui. Depois nem sequer os retratos, um nome apenas. Páginas e páginas que não imaginarão o que me custaram, a luta permanente, a dificuldade em limpá-las. Tem de passar-se as passas do Algarve para dar prazer ao leitor. Espero que Deus me conceda acabar três ou quatro textos, deixá-los prontos para que outros construam por cima, como eu construí por cima dos que me precederam. Se alguma dignidade de homem tenho deu-me a Arte. Hipócrates: a Arte é longa, a Vida breve, a Experiência enganadora e o Juízo difícil. O meu pai tinha isto num rectângulo de papel, no seu gabinete do hospital. A Arte é longa, a Vida breve. Se te sentes desfalecer pega na tua própria mão para ganhares coragem. Talvez dê resultado. Tentaste. É noite agora, corri as cortinas, estou sozinho. Faltam-me os meus amigos, falta-me o mar. Estantes cheias de lombadas, esta mesa. A esferográfica que lá vai andando aos tropeções. Os cigarros são a água com que empurro a comida das frases. Gostava de deixar de fumar, uma escravidão estúpida. Eis-me sozinho rodeado de vozes. Ninguém me pode ajudar a fazer isto. Se cair do trapézio a responsabilidade é minha e o aleijar das costas também. Conseguirei agarrar o próximo, falharei? Não me interessa narrar histórias, contento-me em abrir o coração. A minha mãe fez noventa anos em dezembro: limita-se a esperar numa cadeira. No que me respeita não vou esperar numa cadeira: a mão desenhará letras até ao fim. Esta não é uma crónica melancólica: é a obstinação do ofício que pratico desde que me conheço, afastando sempre o que o estorvava. Pagam-me para fazer o que faria de qualquer maneira e portanto sou uma criatura feliz. Na altura em que a morte, de que falei há bocado, chegar, já a venci. Amanhã na batalha pensa em mim: título do meu amigo Javier Marías. Hoje na batalha penso em vocês, não deixo de pensar em vocês. Somos tantos, cada um de nós é tantos.
Há horas cortei o cabelo: à minha frente, no espelho, um sujeito a quem cortavam o cabelo e me olhava. Parecíamos desconfiar um do outro e tive vontade de pedir-lhe desculpa por o tratar tão mal, comendo não importa o quê, dormindo pouco, não lhe dando atenção. São Francisco de Assis: confesso que tratei muito mal o meu pobre irmão corpo. Haja alguma coisa em que São Francisco e eu sejamos colegas. Lá estava o António com as madeixas a tombarem na toalha, aquela boca, aqueles olhos. Rugas: serão do espelho ou minhas? Que idade tenho? Sei lá: muda constantemente, para trás, para o lado, às vezes foge-me, outras regressa: ao cortar o cabelo estava ali, viva. E é impossível ser aquilo, é impossível ser isto. Nada em comum entre nós e o cabelo a descer para a toalha, sem cessar. Veio-me à ideia o barbeiro do meu avô, o senhor Melo, a rua 1.º de Dezembro, manicuras que eu achava lindas, tão perfumadas, tão gordas, a arrulharem: devo-lhes a minha primeira erecção consciente, pensei em pedir-lhes para casarem comigo, as duas, de uma vez. Não pedi. Quer dizer, pedi sem as palavras e não me responderam, ocupadas a fazerem festinhas nos dedos de uns cavalheiros quaisquer, de joelho activamente (gosto do activamente) encostado à perna deles. De modo que ao conhecer o desejo conheci o ciúme. E a indiferença já agora, porque não me ligaram nada. Que teria eu de mal para além de oito anos? E oito anos é um defeito assim tão grande? Ninguém sabia, claro, que eu era o escritor mais importante do mundo e maçava-me elas não o reconhecerem com um relance apenas. Um génio ao alcance do braço e as manucuras zuca zuca na fazenda dos cavalheiros. O senhor Melo, esse, entendeu-me o olhar
– O avôzinho nunca deixa que lhe toquem, e eu a achar de imediato que o meu avô era parvo. Mal entrei em casa fui à brilhantina do meu pai (um boião pegajoso) e penteei-me para trás. Só me faltava o smoking e uma actriz ao lado para ser Gary Cooper por uma pena. Gary Cooper, na minha forma de ver, não andava longe de Camões, de maneira que me espantou, ao jantar, mandarem-me comer a sopa mais depressa. Não imaginava (não imagino) a mãe de Gary Cooper e Camões (uma para ambos chega)a mandá-los comer a sopa mais depressa. Recordo-me de afirmar
– Sou melhor que Camões e Gary Cooper juntos e multiplicados por deze ainda hoje estou para compreender o que significava o silêncio que se seguiu.
A.L-Antunes

crendices

CRENDICES

Cruzar com gato preto na rua dá azar.

Jogar sabão para Santa Clara faz parar de chover.

Chinelo ou sapato com a sola virada para cima, o pai ou a mãe podem morrer.

Sol com chuva, casamento de viúva.

Apontar estrela com o dedo faz nascer verruga.

Mulher que tem o segundo dedo do pé maior que o primeiro, manda no marido.

Cortar cabelo na Sexta-feira Santa não cresce mais.

Vassoura atrás da porta espanta visitas.

Sexta-feira 13 é dia de azar.

Agosto é mês do desgosto .

Assobiar à noite chama cobra.

Comer manga com leite faz mal.

Jogar sal no fogo espanta o azar.

A pessoa que é pulada não cresce mais.

O número 7 é o número da mentira.

Quem passa debaixo do arco-íris vira mula - sem - cabeça.

Quem come banana à noite, passa mal.

Quem canta na quaresma vira mula - de - padre.

Quem comer muito à noite terá pesadelos.

Passar debaixo da escada é má sorte.

Quebrar um espelho, dá sete anos de azar.

Colocar bolsa no chão faz o dinheiro acabar.

No mundo todo, a passagem do ano é cheia de rituais, simpatias e superstições -- e boa parte deles tem a ver com o que comemos ou bebemos (ou arremessamos) na última noite do ano:

No sul dos Estados Unidos, acredita-se que se você comer ervilhas na ceia, terá sorte no Ano Novo. A sorte aumentará se o prato for acompanhado de repolho verde.

Chocolate tem a fama de atrair riquezas, mas se você quer um ano cheio de sexo, nada supera uma ostra - recomendam os gregos.

Na costa noroeste dos Estados Unidos, o pessoal come salmão para atrair coisas boas no ano vindouro.

A tradição também diz que quem come o bolo de São Basílio, uma guloseima também conhecida como "Bolo dos Reis" é uma das favoritas. Diz a lenda que apenas a dona da casa pode fazer esse bolo redondo, e que no momento de levá-lo ao forno ela deve estar usando suas melhores roupas e jóias. Na massa que vai ao forno, há moedas e outros pequenos objetos. Antes de servir, usa-se um copo para cortar a porção central, fazendo com que o doce ganhe o formato de um anel. A porção central é oferecida ao santo e só então o bolo pode ser cortado. Aqueles que encontrarem algum "tesouro" na sobremesa terão sorte o ano todo.

Os alemães acreditam que o primeiro alimento consumido no ano que chega devem ser panquecas.

Os espanhóis correm contra o relógio. Segundo a tradição, durante cada uma das 12 badaladas da meia-noite come-se uma uva grande, o que garante a sorte para o resto do ano - mas só para quem lograr o intento antes que o relógio se cale.

Já os italianos, assim como os brasileiros, acreditam que uma colherada de lentilhas é sinônimo de dinheiro no novo ano, enquanto a carne de porco, bem gordurosa, simboliza prosperidade e progresso.

Os japoneses, por sua vez, consomem comem uma sopa chamada ozoni -- feita de arroz, massa e vegetais. É um tipo de elixir que acalma um estômago irritado e afasta os rancores.

Um bolo embebido em licor é tradição na Irlanda, na "Noite dos Grandes Pratos" (véspera de Ano Novo). Comer porções generosas nesse dia significa, para os irlandeses, dispensa cheia o ano todo. Chamado Barm Brack, cheio de especiarias e uvas passas, normalmente, após mordido 3 vezes pelo dono da casa, é arremessado contra a porta principal. O procedimento, acreditam, afasta a fome daquele lar durante todo o próximo ano.

Uma tradição escocesa chamada "First Footing" (algo como "primeiro a pisar") diz que a sorte que você terá no ano vindouro depende de quem for o primeiro a entrar em sua casa. Caso seja um estranho de cabelos escurso segurando um pedaço de pão, uma moeda de ouro e um pedaço de carvão, não se pode esqueçer de lhe servir uma bebida forte e um bolo de frutas embebido em uísque para ter sorte o ano todo.

Os espanhóis fazem a contagem regressiva para o Ano Novo, comendo uvas - uma por segundo.

se levantares o véu, verás

Só para mulheres!