sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Que música...


Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.



Eugénio de Andrade
(Coração do dia)

3 comentários:

Anabela Magalhães disse...

Lindo Eugénio!

Anónimo disse...

Eu conheço...!
"Pequena Elegia de Setembro"!

"...ou é dentro de ti que tudo canta ainda?..."


Um beijo ...

Epifania :p

Anónimo disse...

Clap, obrigada por esta pequena jóia eugeniana. Conheci muito bem o Eugénio de Andrade, ia vê-lo a casa dele, e organizei um Congresso em homenagem a ele há uns bons anos. Complexo e simples, profundo na sensibilidade e exigente e pouco paciente com as coisas do dia a dia. Tenho um pequenino poema que ele me escreveu num postal, há uns 30 anos, à mão, no dia em que nos conhecemos. Maria Bernarda