quarta-feira, 13 de agosto de 2008
OS NETOS DE SALAZAR
Baptista-Bastos
escritore
jornalista
b.bastos@netcabo.pt
Vi, há dias, na RTP2, o excelente documentário Cartas a uma Ditadura, de Inês de Medeiros. Assisti ao fervor sagrado daquelas senhoras, que defendiam Salazar com a estreita e amarga convicção de que não sabiam muito bem o que estavam a fazer. As suas perplexidades deixavam transparecer essa dúvida. Reconheciam-se autoras das cartas ao ditador, mas haviam removido da lembrança a natureza passional do documento. Porque de paixão se trata: na correspondência e na vida de que o filme é a imagem restituída.
Salazar está em nós. Queiramos ou não, mantemos, ainda hoje, resquícios dessa cultura rural, submissa, de reverente obediência, temente a deus e ao diabo, inculcada por uma Igreja continuadamente anacrónica, de que Salazar, com Cerejeira, foi o representante típico. No começo dos anos 20, século passado, o então professor universitário escreveu uma série de artigos no Novidades, diário do Patriarcado, sobre o que deveria ser feito "para salvar Portugal da anarquia". Esses artigos, remanejados, constituíram o prefácio de Discursos, assim grafado no primeiro volume, mas definitivamente Discursos e Notas Políticas, do segundo até ao último, o sexto. Está lá tudo, sem omissões, o que ele pretende fazer no País. O silêncio da Esquerda correspondeu à vacuidade do seu pensamento. Apenas o grande Raul Proença, o maior intelectual da Seara Nova, respondeu, indirectamente, ao conteúdodotexto.
O belo documentário de Inês de Medeiros; o filme que se prepara sobre "a vida privada" do autocrata (cujo título me parece mais especulativo do que associado às exigências do rigor); alguns livros; uma ou duas peças sobre o assunto; para não elidir o deplorável (por leviano) programa Os Grandes Portugueses - esse afã corresponde, acaso, a uma curiosidade histórica. O dever de memória exige que não voltemos costas ao que nos aconteceu. Ou será que, de uma forma ou de outra, sintamos a necessidade de dizer: "Não temos nada com isso!", quando, na realidade, temos, ainda que presumamos o contrário. A frase de Brice Parain [Sur la Dialectique] faz, aqui, todo o sentido: "Somos sempre responsáveis, mesmo por um mundo que não quisemos."
Oculto ou dissimulado, Salazar tem estado sempre omnipresente na nossa memória e, inclusive, nas nossas acções e nas nossas pessoais rejeições e repulsas. Porém, não creio que esteja na moda, no sentido tardo-nostálgico da expressão. Penso, até, que um absurdo temor tem procurado atrasar e, até, suprimir, a experiência crucial por que passámos. Também os mais novos, ocasionalmente com a satisfação maligna de "não serem desse tempo", continuam lacrados com o sinete de uma ideologia, de uma época e de um homem. Implorar à História que se apague é uma indignidade obscena.|
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7 comentários:
Sabes, Clap, eu acho que já é tempo de fazer o luto de Salazar e deixar o homem na sepultura. E depois, o BB também bate sempre nas mesmas teclas. E as senhoras adoravam o homem. Pois se ele era solteiro, elas também, era natural. Eu também estou apaixonada pelo pretendente número 1 e o tipo nem sabe. Ou antes, finge que não sabe. Que está tudo resolvido. Ora se ele se lembra de morrer primeiro, eu faço logo o luto e deixo de pensar no assunto.
Qualquer dia ainda canonizam o homem, vais ver. Aparecem duas ou três pessoas a dizerem que lhe rezaram e eles as curou e lá vai ele ser avaliado no Tribunal dos Santos, onde até há um Advogado do Diabo... Olha, é um livro muito bom, um que eu li há muitos anos, ainda tu não tinhas nascido. Xi, Avó
AP:
Imagina que eu faço parte daqueles que vivam em Bizancio mas falavam o latim?
Mesmo assim, ainda passo muitas vezes por Bárbaro!
Nota: Pq será que não recebo notificações dos seus posts na minha caixa gmail? será kimzomba??? ehehe
Deixa para lá, Clap. Eu também não recebo os teus.
AM: isso é uma notícia! teremos de ir junto do Dr Helder da CMA indagar a causa de tal maleita!
Eu também não recebo, de ninguém. Como é que se recebe? E recebes de quem? Bem, o que eu queria dizer no meu Latim, se é que é isso que significa o teu Grego, é que estou farta de ouvir falar de Salazar. Morreu, pronto, temos que tocar o mundo para a frente. Eu não era devota, nem por perto, mas acho que está na hora de deixar os mortos com os seus mortos. Est-ce que tu es d'accord avec moi?
Bisous, Abuelita (miminho da Passi)
por mim "iremos cantando e rindo...levados levados sim, pelo clamor das..."
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